Temperatura de cabos instalados em Áreas Classificadas
“Em áreas onde quantidades e concentrações perigosas de vapores ou gases inflamáveis podem ocorrer, medidas de proteção precisam ser aplicadas de forma a reduzir o risco de explosões.”
O trecho acima foi retirado da introdução da norma brasileira NBR IEC 60079-10-1, e deve ser uma constante preocupação dos engenheiros e técnicos que elaboram e executam projetos e intervenções em áreas classificadas.
A norma NBR IEC 60079-14 contêm requerimentos específicos para projeto, seleção, montagem e inspeção inicial de instalações elétricas em áreas com risco de explosão. Um dos requerimentos que os engenheiros elétricos, ao elaborar um projeto, necessitam ter especial atenção é o item 9.3.8, transcrito abaixo:
“A temperatura de superfície dos cabos não pode exceder a classe de temperatura definida para a área classificada.”
Cada área classificada recebe uma classe de temperatura conforme a temperatura de ignição do gás existente na área (ver NBR IEC 60079-20). A classificação é baseada na temperatura máxima de superfície, que é a temperatura mais elevada, do funcionamento normal nas condições mais desfavoráveis, por toda a parte ou toda a superfície de um equipamento elétrico, que não ocorrerá a ignição do gás.
Na Tabela 2 da NBR IEC 60079-0, nos é apresentado a classificação de acordo com a máxima temperatura de superfície para equipamentos elétricos destinados para utilização em locais com uma atmosfera explosiva de gás (exceto minas susceptíveis ao grisú).
Classe de Temperatura | Máxima Temperatura de superfície (ºC) |
Equipamento elétrico, por definição normativa, são todos os itens aplicáveis a um todo ou em parte para utilização de energia elétrica, isto inclui, entre outros, itens para geração, transmissão, distribuição, armazenamento, medição, regulação, conversão e consumo de energia elétrica e itens para telecomunicações. Desta forma os cabos estão inclusos neste termo “equipamento elétrico”.
A NBR 5410, em seu item 6.2, nos fornece a metodologia de cálculo/seleção de cabos em serviço normal para a maioria das situações que encontramos em projetos (conforme tabela 33), de modo a calcularmos os cabos de PVC para uma máxima temperatura de 70°C e calcularmos os cabos de EPR ou XLPE para uma máxima temperatura de 90°C durante a operação normal.
Esta temperatura de operação dos cabos refere-se à temperatura externa do condutor de cobre. Se considerarmos as perdas/trocas de calor sobre a cobertura do isolamento do cabo, é improvável que a temperatura exceda a classe T6 de temperatura. Ou seja, se o cabo for dimensionado conforme NBR 5410, não é provável que tenhamos complicações em áreas classificadas com estes circuitos em regime normal de funcionamento (Conforme nota no item 9.3.8 da NBR IEC 60079-14).
Entretanto, vamos supor que ocorra uma falha de isolação no enrolamento de um motor à prova de explosão, instalado em área classificada. O motor é do tipo Ex-d, assim este conterá a possível explosão dentro de seu invólucro. Porém, os cabos que alimentam este motor estarão sujeitos à corrente de curto circuito durante o tempo de atuação da proteção e a temperatura dos cabos pode atingir temperaturas superiores. Se os dispositivos de proteção foram selecionados conforme item 5.3.5.5.2 da NBR 5410, a temperatura dos cabos de EPR e XLPE podem chegar à 250°C, ultrapassando os limites de temperatura das classes T3 à T6.
Visando a segurança e como o tempo desta elevação de temperatura é muito curto, podemos considerar o sistema como adiabático, ou seja, sem trocas de calor para um ambiente externo. Assim, podemos calcular a temperatura final do cabo, aplicando a corrente de curto circuito e o tempo de atuação do dispositivo de proteção na fórmula da temperatura adiabática expressa pela IEC 60949.
onde:
θf é a temperatura final do condutor;
θi é a temperatura inicial do condutor, no cálculo. Consideramos a temperatura de operação para o condutor alimentador e 45°C para o condutor de proteção;
β é o coeficiente de temperatura, extraída da tabela I da IEC 60949. Para o Cobre β=234,5;
t é o tempo de atuação do dispositivo de proteção responsável pelo seccionamento automático, em segundos (ver item 4.4);
K é uma constante que depende do tipo de material condutor extraída da tabela I da IEC 60949. Para o cobre K=226;
S é a seção do condutor, em milímetros quadrados;
ISC é a corrente de curto circuito que percorre o cabo.
Exemplo de aplicação:
Consideremos um motor Ex-d, de 55kW alimentado por um sistema de 480V que possui nível de curto circuito de 50kA. Para o tempo de proteção, vamos utilizar os valores conservadores da IEEE242. No caso de disjuntor caixa moldada, o tempo é de 25ms. Circuito com 15m de comprimento. Método de instalação “E”, conforme NBR 5410. Este motor será instalado em uma área classificada zona 2, grupo IIA e classe de temperatura T3.
Calculando o cabo pelo método de ampacidade, teremos a seleção do cabo 16mm² isolação EPR. Este cabo também atende aos critérios de queda de tensão, suportabilidade de curto circuito e seccionamento automático, conforme NBR 5410, nas condições mencionadas.
No caso de ocorrer um curto circuito em seu enrolamento, a possível explosão será contida no invólucro Ex-d, mas os cabos deste circuito sofrerão aumento de temperatura devido à corrente de curto circuito que percorrerá estes cabos. Calcularemos a elevação de temperatura nos cabos com a fórmula da temperatura adiabática da IEC 60949, sendo:
θi = 90°C (temperatura de operação do cabo EPR)
t = 0,025s
ISC = 12,7kA (Valor de Isc considerando a impedância do cabo)
S = 16mm²
Obtemos: θf = 206,7°C
Podemos notar que o valor encontrado excede à temperatura limite da classe T3 (200°C), havendo o risco de ignição do gás ao seu redor.
Elevando a seção do cabo para 25mm² e refazendo os cálculos, obteremos uma θf = 192°C. Assim, o cabo de 25mm² atende ao critério da NBR IEC 60079-14 neste exemplo.
Conclusão:
Para cabos instalados em área classificada se faz necessário verificarmos a temperatura final do cabo no caso de curto circuito, pois dependendo da classe de temperatura do local, pode ocorrer a ignição do gás devido à esta elevação de temperatura.
Os circuitos podem ser verificados pela equação da IEC 60949, considerando o sistema adiabático, o tempo de atuação da proteção e a corrente de curto circuito no local.
Considerações adicionais:
O cálculo foi idealizado de forma conservadora visando a segurança em áreas classificadas. A temperatura determinada foi do cabo de cobre, desprezando a dissipação térmicas do isolamento.
Referências:
IEC 60949 – Calculation of thermally permissible short-circuit currents, taking into account non-adiabatic heating effects.
IEEE242 – Recommended Practice for Protection and Coordination of Industrial and Commercial Power Systems
NBR 5410 – Instalações elétricas de baixa tensão
NBR IEC 60079-0 – Atmosferas explosivas – Parte 0: Equipamentos – Requisitos gerais
NBR IEC 60079-10-1 – Atmosferas explosivas – Parte 10-1: Classificação de áreas – Atmosferas explosivas de gás
NBR IEC 60079-14 – Atmosferas explosivas – Parte 14: Projeto, seleção e montagem de instalações elétricas
NBR IEC 60079-20 – Atmosferas explosivas – Parte 20-1: Características de substâncias para classificação de gases e vapores – Métodos de ensaios e dados